Despertáculo

[english below]

fotografias / 2020 – permanente

No projeto Despertáculo, retomo parte das fotografias realizadas nos últimos anos, enquanto escrevo cartas para o poeta Pio Vargas e o fotógrafo Samuel Costa – artistas goianos mortos precocemente. Identifico nos trabalhos de Pio e Samuel a convocação de interlocutores que sejam capazes de contribuir para o encorajamento de um outro mundo. Ao elegê-los como destinatários das cartas, reconheço que fizeram de suas obras a abertura para uma História que objetiva trocas e endereçamentos. Pio sempre esteve em meu radar, quis imaginar uma cidade a partir dos relatos que guardo de pessoas que estiveram próximas a ele. Samuel veio depois, da experiência radical de estar diante de sua produção fotográfica, da reportagem com sua mãe que comenta seu regresso ao estado de Goiás no final dos anos 1980. Percebo em alguns poemas de Pio a tentativa de aniquilamento do passado, insistindo nas imagens de um cotidiano em sobressalto, ao passo que Samuel, valendo-se de seus deslocamentos de outrora, coteja com sensibilidade temas como a família e a viagem. Além de articular imagens e textos, pretendo tornar evidentes percursos realizados nos últimos anos e alcançar uma ideia de futuro para Goiânia. Coloco o meu corpo em situação de ateliê na rua e conduzo publicamente os meus aprendizados com as pessoas. As cartas tratam do esplendor do comum, zombam de cenas específicas, antecipam o centenário de Goiânia, comentam aparições e ficcionalizam eventos assentados no terreno fértil da montagem.

O corte I (2020) identifica as experiências com as pessoas para celebrar a desordem criativa das ruas do Setor Central de Goiânia.

O corte II (2020) valoriza o gesto rebelionário dos arquivos e seus efeitos de simultaneidade.

Terreno – carta de Benedito Ferreira para Samuel Costa – foi publicada no livro Escritos de artistas escritos em arte, lançado pelo PPGARTES/UERJ em 2021.

O corte III (2021) elege os instantes luminosos e sobrepostos de texto e imagem, cujos sentidos objetivam ultrapassar uma dimensão edênica da paisagem.

Filtro solar – carta de Benedito Ferreira para Pio Vargas – foi publicada no livro Escritos de artistas escritos em arte [vol. 2], lançado pelo PPGARTES/UERJ em 2022.

O corte IV (2021) quer transformar o tempo a partir das articulações entre ambientes, objetos e trânsitos de personagens citados nas cartas.

Dinamite – carta de Benedito Ferreira para Pio Vargas – foi lida em voz alta por Benedito às 15h47 do dia 17 de janeiro na esquina da Rua 04 com a Avenida Araguaia, Setor Central de Goiânia. A carta não será publicada.

O corte V (2022) utiliza a fotografia de Samuel Costa como ponto de partida para pensar o tempo, a cidade e a noção de pertencimento.

Este corte foi realizado por ocasião da exposição The Silence of Tired Tongues, na Framer Framed, Amsterdã, com curadoria de Raphael Fonseca.

Agradeço especialmente: Keith Tito, Marco Aurélio Techio e Museu da Imagem e do Som de Goiás (MIS – GO).

Crédito da imagem de Samuel Costa: Família de lavradores. Setembro/1977. Jataí-GO. Samuel Costa. Acervo MIS – GO.

Iporá (GO), 1964 – Turvelândia (GO), 1991. Pio Vargas cursou apenas o primeiro grau, ainda em sua cidade natal. Começou a escrever aos 14 anos de idade. Morou na mesma rua que o escritor Edival Lourenço, logo ficaram amigos. Pio cuidava de seus filhos enquanto ele ia para o trabalho e, nesse meio tempo, devorava os livros de sua biblioteca. Idealizou as edições Divagar e Sempre, responsáveis pela publicação de diversos autores goianos. Com seu jeito crítico e gozador, promoveu recitais, festivais de música, semanas culturais e publicou livros de poesia.

Jataí (GO), 1954 – Goiânia (GO), 1987. Samuel Costa morou em Goiânia, onde iniciou seus estudos em Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Goiás, que abandonou para se dedicar totalmente à fotografia. Quando criança improvisava, dentro de um guarda-roupa, o seu primeiro laboratório fotográfico. No final dos anos 1970, mudou-se para Paris, de onde viajaria por toda a Europa. Na década seguinte, regressa ao Brasil e registra com sensibilidade a reabertura política do país.

Despertáculo

photographs / letters / 2020 – permanent

In the Despertáculo project, I return to part of the photographs I took from 2013 to 2020, while I write letters to the poet Pio Vargas and the photographer Samuel Costa – artists from Goiás who died prematurely. I identify in the works of Pio and Samuel a summoning of interlocutors who, with their nuances, idiosyncrasies and crossings, are capable of contributing to the encouragement of another world. By electing them as recipients of the letters, I recognize that they made their works an opening for a History that aims at exchanges and addressing. Pio has always been on my radar. I wanted to imagine a city based on the reports I keep from people who were close to him. Samuel came later, from the radical experience of being in front of his photographic production, from the report by his mother who comments on his return to the state of Goiás in the late 1980s and the discovery of AIDS. I perceive in some of Pio’s poems the attempt to annihilate the past, insisting on images of a daily life in shock, while Samuel, using his former displacements, sensitively compares themes such as family and travel. In addition to articulating images and texts, I intend to shed light on the paths taken in recent years and reach an idea of ​​the future for Goiânia. I put my body in a studio situation on the street and publicly conducted my lessons with people. The letters deal with the splendor of the common, mock specific scenes, anticipate the centenary of Goiânia in 2033, comment on apparitions and fictionalize events set in the fertile terrain of editing.

1st cut identifies experiences with people to celebrate the creative disorder of the streets of the downtown area.

2nd Cut emphasizes the rebellious gesture of the archives and their simultaneity effects.

3rd Cut elects the luminous and overlapping moments of text and image, whose meanings aim to surpass an edenic dimension of the landscape.

4th Cut wants to transform time based on the articulations between environments, objects and transits of characters mentioned in the letters.

5th Cut uses Samuel Costa’s photography as a starting point to think about time, the city and the notion of belonging.

Iporá (GO), 1964 – Turvelândia (GO), 1991. Pio Vargas only attended elementary school, still in his hometown. He started writing when he was 14. He lived on the same street as writer Edival Lourenço, and they soon became friends. Pio took care of Edival’s children while he went to work and, in the meantime, devoured the books in his library. He created the series Divagar e Sempre, responsible for the publication of several authors from Goiás. In his critical and mocking way, he promoted recitals, music festivals, cultural weeks and published poetry books.

Jataí (GO), 1954 – Goiânia (GO), 1987. Samuel Costa lived in Goiânia, where he began his studies in Electrical Engineering at the Federal University of Goiás, which he abandoned to dedicate himself entirely to photography. As a child, he improvised, inside a wardrobe, his first photographic laboratory. In the late 1970s, he moved to Paris, from where he would travel across Europe. In the following decade, he returned to Brazil and sensitively recorded the country’s political reopening.